O plano de parto

Fizemos um percurso invulgar. Fomos acompanhados durante toda a gravidez num hospital (público) e quase às 36 semanas optamos por mudar e por ver a nossa bebé nascer noutro hospital, também público.
Não colocamos nunca a hipótese de procurar um hospital privado porque acreditamos que os públicos estão mais preparados para emergências.
Fui-me informando e tornando consciente das questões importantes e dos inúmeros erros e falhas no que toca a nascimentos em hospitais. Demasiado medicalizados, demasiadas intervenções desnecessárias, demasiadas cesarianas, demasiadas anestesias, demasiadas episiotomias.
Questões que não chegam à maioria das mães. 
Surpreendi-me, nas aulas de preparação para o parto,
que nenhuma das mães presentes soubesse que um parto induzido com ocitocina leva a mais dores, logo inevitavelmente a anestesia epidural, o que 'desacelera' o trabalho de parto e a natural dilatação, o que leva a mais ocitocina e mais epidural e com este quadro temos a probabilidade de 'parto arrastado' e de uma cesariana de urgência bastante elevada.
Surpreendi-me por nenhuma das mães ter ouvido falar de 'plano de parto'.
Por se rirem quando perguntava como era a camisa que nos obrigavam a vestir (mas por que raio nos obrigam a vestir uma camisa??), não por qualquer questão estética mas para saber se a camisa era aberta à frente para que me pudessem pôr o meu bebé pele com pele mal nascesse.
Estranharem quando perguntava (e perguntei o mesmo nos dois hospitais) porque era obrigada a ter o caterer numa das mãos mal entrasse, quer fosse pedir anestesia ou não.
Fizemos muitas perguntas. Algumas com resposta, outras nem por isso. A maioria rematadas com um 'não sei mas ponham no plano de parto, depois na altura vêm'.
Numa das sessões, cansados de ouvir sempre o mesmo, contestamos. Os planos de parto são algo que deveria chegar às mãos dos responsáveis semanas antes do previsto para o nascimento e não no momento em que a mãe entra em trabalho de parto. Deveria ser recebido para posteriormente ser comunicado aos pais os pontos viáveis ou não, para que juntos se procurem alternativas que satisfaçam a todos. 
Pensar em questões - 'se vou querer estar livre para caminhar ou não`, querer que me expliquem antes as intervenções a que me vão submeter. que não me exponham a anestesias sem que eu peça ou cortes sem que seja totalmente necessário... ter o bebé no meu peito mal nasça, dar de mamar na primeira meia hora de vida, ser o pai a cortar o cordão e a vesti-lo... não são pormenores, e os pais têm direito a decidir e a exigir que as coisas aconteçam como pretendem. 
A bebé trocou-nos as voltas ao não dar a volta, já aqui falei disso, e o plano de parto teve que ser modificado. 
Como se lia no nosso:
"Dada a apresentação pélvica da bebé o parto deverá decorrer por cesariana electiva. Sabemos que há uma série de princípios e cuidados clínicos em curso ao longo da intervenção, no entanto, para nós, não será apenas uma intervenção cirúrgica mas o nascimento da nossa filha, pelo que gostaríamos que alguns dos nossos desejos para o parto pudessem ser cumpridos."
E seguia por aí... 



Já no 'novo' hospital o plano foi entregue à obstetra que teve oportunidade de o discutir com colegas de equipa e de nos devolver o que seria ou não possível.
No final, feito o balanço, tudo correu bem. Estamos as duas bem. O pai esteve presente. Dei de mamar na primeira hora de vida.
Houve algumas coisas, contudo, que não aconteceram como desejávamos e como pedimos e à saída do hospital, quando nos foi solicitada a opinião sobre os serviços prestados, não poupamos palavras.

Os blocos operatórios são frios. Há um batalhão de pessoas a ocupar a sala e as máscaras tapam os sorrisos, se os houver. Há um corpo anestesiado e bisturis a fazer o que a natureza, por qualquer motivo, não pôde fazer. Mas, ainda assim, naquela sala fria vai acontecer algo mágico e por mais cuidados clínicos que existam, não pode nunca ser esquecido que os actores principais daquela peça são uma mãe e um bebé. 

Se já é notório o esforço de muitos hospitais em humanizar os partos, é necessário que esse esforço recaia também nas cesarianas. Não havendo motivos clínicos, não há porque não deixar os pais presentes desde o início da intervenção, mesmo durante a administração da anestesia, talvez a parte mais desconfortável. Assim como não há motivos para que os pais não possam ver o momento em que o bebé 'sai', se for esse o seu desejo. Tal como não deveria haver motivos para que o bebé seja colocado no peito da mãe mal nasce, ou seja observado e vestido na mesma sala em que a mãe e o pai estão (e será que estes procedimentos são assim tão urgentes...?)

Há hospitais que já cumprem estes requisitos, a que chamam 'cesarianas humanizadas'. Infelizmente, são privados, que inteligentemente viram neste caminho uma forma de se especializarem num negócio que lhes representa 80% dos nascimentos.
Espero que os hospitais públicos sigam estas orientações no futuro. Porque se é verdade que uma parte do caminho já está a ser percorrido, também é verdade que ainda falta muito por percorrer. 
E se um dia voltar a ser mãe, quando escolher o hospital, quero voltar a escolher um público e quero já não ter que ´pedir´, por tudo isto já ser considerado o 'normal'.

Já agora, recomendo a reportagem da Sic 'No tempo das cesarianas'




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