Escrever para não esquecer*




Foi há um mês. 
Exactamente a esta hora estava rodeada de enfermeiros, anestesistas e outros médicos. Um plantão numa sala fria. Tubos e agulhas. 
Tão diferente do que tinha imaginado...
Mas a vontade maior não é a nossa e o meu era só mais um exemplo de que nestas coisas de nascimentos, os bebês arranjam sempre forma de nos dar a volta aos planos. E neste caso, foi mesmo a volta que faltou. Tal como eu, que umas décadas antes já havia nascido sentada, esta nossa bebê também decidiu permanecer assim - 'de rabo virado para o mundo e cabeça virada para o coração da mãe' como me dizia uma querida amiga tentando consolar-me da tristeza de não ter o parto que desejava. 'são os melhores!'
Pouco convencida de que seriam os melhores, mas certa que teriam que ser especiais. Só cerca de 3% dos bebês não dão a volta e eu tinha na barriga um deles, mesmo tento tentado tudo e mais alguma coisa para a contrariar - caminhadas, yoga, acupuntura, e finalmente a versão (VCE). Só faltava conformarmo-nos com a ideia de que iria ser submetida à minha primeira intervenção cirúrgica da vida - 'pelo menos que seja assim, pelo melhor motivo do mundo'.
Marcamos a data, quase a bater nas 40 semanas.
Na véspera, deixei saltar todos os medos e anseios que não tinha sentido nunca ao longo de toda a gravidez. Cheguei a dizer que queria ligar para o hospital a dizer que queria adiar a cesariana. 
Por fim, serenei. 
Acordamos cedo, muito cedo. Tomamos um banho longo, o pai sempre com a máquina atrás, a querer o registo do dia inteiro. Fizemos yoga, respiramos fundo, tornamo-nos presentes, conscientes da dimensão de tudo o que estava a acontecer. Dançamos, rimo-nos e chegamos atrasados ao hospital, nós, que somos sempre pontuais - 'uma vergonha, chegar atrasada ao próprio nascimento...'
E aqui estamos. Bloco operatório. Enfermeiros, médicos e anestesistas. Máquinas, agulhas e o corpo a ficar anestesiado. E eu a perguntar 'vou ficar com as duas mãos livres?', 'e o pai, quando é que deixam entrar o pai'.
O pai entrou. Mascarado a rigor, como se saído daquelas séries de médicos sexys.
E de repente, naquela sala cheia de gente, éramos só nós. E num instante, ouvimos dizer 'nasceu! 10h05, nasceu!' Um pano que cai, um choro aberto e nós a ver-te, pela primeira vez. 
Uma vontade enorme de te pegar e não largar mais. Ter que ser paciente. Ouvir-te chorar e desejar ansiosamente que os médicos se apressem para poder estar onde quero. Sair finalmente da sala e ver-te com o pai, que te vestiu, que já tinha tirado fotografias sem fim e que contigo ao colo não escapava de uma boca pequenina que lhe procurava o nariz como se fosse uma mama.
E então, meia hora depois de nascer, tu outra vez junto ao meu coração. Tu tão pequenina, de olhos abertos  e com a boca a procurar-me com força.

Passou um mês...
Já passou um mês...
Só passou um mês...
Do momento em que as nossas vidas mudaram para sempre.

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