O poder do menos







É a grande luta lá de casa.
Partilho a vida com rapazes que gostam de muitas coisas. Gostam de ter acessórios que eles pensam que lhes permitem fazer muitas coisas. Que são uns saudosistas que se apegam e quase choram (às vezes há mesmo lágrimas) quando alguém (eu!) decide pôr fora uma manta que já está velha, uma camisola que já não serve ou um frasco que quebrou um dos cantos.

Acredito no poder do menos. E vejo o demasiado com um dos grandes males da fase que vivemos.
O demasiado cansa, desorganiza, faz-nos sentir atolados de coisas, de tarefas para as organizar e sem espaço para inventar, para criar, para viver.

Nós temos demasiada roupa, tanta que nos esquecemos dela e não a usamos. Demasiados sapatos, quando só temos dois pés e dias que não chegam para os usar a todos.
Demasiados utensílios que em vez de simplificarem, complicam porque há sempre uma forma alternativa e mais simples de fazer as coisas.
As crianças têm demasiados brinquedos. Tantos que quando se entra num quarto o que se vê é excesso. Tanto que a única coisa que lá acontece é abrir tudo e espalhar. Não se deixa espaço para inventar brincadeiras, porque os brinquedos são muitos e já fazem tudo só por si. Não deixam espaço à imaginação.

Quando fui viver para Barcelona tive que ir comprar facas num fim-de-semana em que os primeiros amigos portugueses me foram visitar. Não havia. Assim como não havia microondas. Nem torradeira. Nem máquina de café.
Sempre que voltava a casa dos meus pais passava a primeira meia hora a olhar com estranheza para tudo o que lhes ocupava a casa e a tentar perceber porque tinham duas torradeiras - uma que torra e outra que prensa. Cinco saca-rolhas - três antigos, um mais eficaz, um que funciona a pilhas e tira as rolhas sem qualquer tipo de esforço. Dois frigoríficos, porque só um já não chegava para armazenar tudo o que precisavam apesar de viverem em frente a sítios onde as podiam comprar.
Ao buscar a simplificação acabam a complicar. A equação final é que, dado que as casas ainda não esticam, torna-se difícil que tudo caiba. Perde-se demasiado tempo a arrumar, a organizar, a encontrar o que se precisa.

Quando fui viver para Barcelona não havia nada novo em casa. Tínhamos que recuperar. Pintar. Decorar. Transformar. Algumas coisas eram deixadas pelas ruas para que outros pudessem delas fazer uso. Todos se surpreendiam com o tipo de coisas que surgiam assim e que serviam para sempre.

Os sofás podiam não ser muito confortáveis mas havia uma manta no chão da varanda onde quase sempre batia o sol e onde a vista era incrível.

No verão era um pouco quente e no inverno era um pouco fria. Não era muito confortável, e talvez por isso andássemos todos mais pela rua. Não era muito 'direitinha' mas tinha pedaços de nós por todos os cantos e estava sempre em transformação.

Quando voltei continuei, como lá, a não ter carro, mas isso causava surpresa a todos. Se tinha que caminhar 2 km até ao trabalho todos me tentavam impedir, oferecendo boleias ou convencendo que não era apropriado, que podia ser perigoso.
Durante 8 anos não tive televisão e ainda hoje tenho alguma dificuldade em perceber porquê que as pessoas precisam disso, o que é que nos acrescenta.

Já dei 'palestras' domésticas, já reencaminhei links, sugeri livros, já fiz ameaças.
Sem grande sucesso.
O tempo (é sempre o tempo), é curto e nunca permite meter mãos à obra.
O apego às coisas é sempre grande e faz acreditar que as memórias passam por guardarmos coisas e não por as termos dentro de nós.

O meu apego é às pessoas e ao delicioso animal que vive connosco. E é por gostar tanto delas e por lhes querer bem que uso este post para comunicar que é provável que nos próximos tempos venham a sentir que a casa está mais bonita, mais espaçosa, com mais luz, como ´nova´. Que andaremos menos cansados com o excesso. E que isso nos devolverá mais tempo para fazermos outras coisas.

Com sorte, nem irão reparar que já não existem jogos com peças em falta. T-shirts da viagem feita em 2003 nem casacos que não se usam há três anos.




2 comentários:

Daniela disse...

Gostei muito do texto! Eu sofro do oposto ao minimalismo no que toca à roupa, mas no restante sempre que posso faço uma seleção. Casa com pouquissimos elementos decorativos, deitar o que se estragou ou deixou de fazer sentido. Até a mente fica mais leve :)
(gostei muito do blog, acho que ainda não tinha reparado no template novo! Beijo, espero que estejam todos bem)

rainha das cores disse...

:)
A primeira divisão já está e ficou linda!
Concordo totalmente com o 'até a mente fica mais leve'!
Estamos todos óptimos! Beijo grande!